quarta-feira, janeiro 05, 2005



as imagens sucedem-se com uma violência que fere. uma parte da dor já nos pertence e não sabemos dizê-la.
as palavras tomam forma, mas são inúteis. os caminhos cheiram a morte e a destruição não é mais um pesadelo, mas uma realidade. o inimigo é o tempo. a água espalhou o ódio.
no silêncio que maltrata pelo peso, pela frieza, pela crueldade, deixaram de se ouvir os gritos. haverá ainda, talvez, os que aos poucos ainda morrem. desistiram de combater uma dor que já não sentem, um frio que já não temem. a escuridão abafa a voz que já não têm. e a morte chega, devagar, suave como um veneno que nem na noite sombria pensaram provar.
séculos de guerras, para a terra mostrar quem manda. vem uma onda e leva milhares... longe, muito longe do cano de uma arma.

***
apertei a mão daquela criança, só e desamparada, orfã. quis olhá-la nos olhos sem chorar. tentei dizer-lhe que o mundo continua a ser o nosso canto, bom e seguro para se viver.
devolveu-me as palavras, com uma crueza e uma mágoa que não lhe reconheci e disse-me: "perdi a minha família, a minha casa e o meu país. a água, que nos dava o sustento e onde procurávamos aconchego e tranquilidade, atraiçoou-nos. fiquei assim... não posso acreditar em ti".
era um sonho, mas acordei a chorar. e, mais do que nunca, quis abraçar o mundo inteiro e ter essa certeza - para lhe poder gritar - que os pesadelos acabam e a tristeza não existe. mas continua aqui...

***
entretanto, esquecemo-nos de que há ondas bem maiores e reais do que as nossas, que nos levam para longe. teimamos em afastar quem nos ama, em fazer da crueldade uma arma. passamos uma fronteira que esquece as pequenas coisas e, quando nos apercebermos... a vida acabou. não amámos verdadeiramente. não vivemos.

mas o importante é existirmos, é sermos nada. porque, afinal, a onda assolou o mundo, mas não o nosso. e foi lá longe, tão longe...