domingo, novembro 02, 2003

"Bolas, só me apetece escrever aqui um palavrão, mas detesto palavrões, e abomino vê-los por escrito, por isso se me fizesse o favor de imaginar que o leu, ficaria muito grata.
É que queria começar com uma forma de protesto genuína (...): estou farta, enjoada, já não aguento mais esta enxurrada sem fim de abusos sexuais, taras e paranóias, descrições sórdidas e detalhadas de intimidades alheias, órgãos mutilados, labregos de olhos tapados e a dita de fora (...). Sinto náuseas de casas de
big brothers cheias de gente sem amor próprio, que por uns minutos de fama está disposta a vender o corpo, e de apresentadoras a ridicularizar as meninas que se atrevem a dizer que são virgens, ou, pior ainda, que não querem 'dar uma' em directo! (...)"

in Notícias Magazine, por Isabel Stillwell

Ao ler esta crónica, ocorreu-me que talvez o sexo esteja a dominar as nossas vidas. No caso de alguns, não será (infelizmente, pensarão com os seus botões) o sexo físico. Mas ninguém, sem excepção, lhe escapa.
Há muito que o erotismo abandonou as revistas de arte fotográfica, os anúncios televisivos mais tardios ou as séries importadas. Há muito também que a pornografia deixou de ser o fruto apetecido, pelas proibições de que era alvo, tanto socialmente como no seio familiar (quantos de vós deixaram já de esconder as revistas debaixo do colchão?).
Estamos numa nova era. O que nos surge actualmente é o sexo gratuito: a qualquer hora, não importa o público-alvo da programação - entretenimento (e consegue uma boa "queca" entreter assim tanto?), informação (casos de pedofilia, violação, ...), novelas, ficção nacional e estrangeira, filmes e spots publicitários...até os desenhos animados (que agora os há para adultos).
As perguntas embaraçosas das crianças ganham cada vez menos expressão, a televisão explica tudo (alguns pais - poucos, espero - agradecem).
E o que se ganha com esta exposição demasiado mediática do sexo? Deixou de ser um tabu para abraçar o expoente inverso. É isso que queremos para nós? Uma sociedade em que a sensualidade do que se esconde é agora uma utopia? Um espaço em que o sexo domina as conversas de café, da paragem do autocarro, das faculdades, dos empregos?
Não pretendo ser moralista nem deixar-vos um pensamento retrógado, mas o prazer que o sexo concede não pode (não deve) ser reduzido a um receio crescente, de que todos somos potenciais 'tarados'. O conceito que o envolve é muito para além disso, aliás, não chega sequer aí.

"Falta pouco para que passemos a considerar todas as pessoas como suspeitas dos crimes mais hediondos, todos os gestos como assédios, todos os beijos como aliciamentos, todas as relações como perigosas para o corpo e para a alma (...). Que semelhança tem o sexo, livre, consentido e desejado por ambas as partes, fonte de prazer e felicidade, de cumplicidade conseguidas e consumadas com este filme X rated que nos querem obrigar a ver todos os dias? (...)"

Afinal, nem só de sangue vivem as audiências...