domingo, agosto 29, 2004

há muito tempo que vivo num ambiente urbano. tinha-me esquecido de que os meios mais pequenos têm um cheiro característico, que as pessoas possuem uma familiaridade própria.
num desses passeios que se dão numa quente noite de verão, prestei atenção aos pormenores, ao detalhe que compõe cada recanto, devolvendo essa imagem fugaz de um espaço que já foi meu.

o jantarinho é sagrado, mas a hora tardia levou-nos aos cafés 'de aldeia', à procura de uma sandes mista ou de um salgado que pudesse aconchegar o estômago, sem tornar a digestão pesada.
primeiro café: vazio, apenas dois indivíduos que aparentavam ser do planeta terra ao balcão (e com a pinga no bucho). o dono, mal encarado, perguntou-nos 'gentilmente' (que, no vocabulário dele, vem descrito como 'atitude carrancuda e grosseira com a qual se
deve receber os clientes se se quer ir depressa á falência') o que queríamos. avisou-nos, porém, que àquela hora (22h30 é assim tão tarde?) já só tinha...cafés. next!
segunda tentativa: uma espécie de tasca com ar duvidoso, com uma esplanada onde - aqui sim - se encontram as espécies mais pitorescas dos outros oito planetas do nosso sistema solar. como não éramos verdes nem tínhamos antenas, olharam para nós com aquela visão de raio-x que só os extraterrestres possuem e deixaram-nos abandonados na mesa do canto. lemos a ementa: burriés, moelas e afins. haverá nesta terra um sítio normal onde se possa trincar alguma coisa?
terceira tentativa: a padaria da zona. finalmente, um local com bom aspecto! os empregados simpáticos? havia sandes mista e uma bebida? óptimo, não procuramos mais. a fome é negra...e o repasto soube-nos pela vidinha! :)

aí vamos nós de volta a casa pelas ruas calmas e frescas que a noite oferece. a lua quase cheia ilumina o caminho. a mensagem que recebo 'o luar fabuloso que está hoje' confirma o que acabo de presenciar. à nossa frente, um prédio que podia passar despercebido, não fossem os cinco macaquinhos pendurados nas janelas. perdão, as cinco lindas criancinhas - que, cá entre nós, estão mais para pestes que outra coisa - que discutem entre si qual delas vai apanhar a maior sova. o do segundo andar ameaça o do rés-do-chão (que, aliás, tem apenas uma perna dentro de casa, tudo o resto está suspenso algures entre o parapeito e um qualquer apoio que ele encontrou cá fora): 'eu chamo os meus primos e tu vais ver!'. o do primeiro andar, não querendo deixar a coisa por ali, debruça-se e berra: 'vou chamar o não-sei-quantos para te bater por isto e isto. e eu vou-te bater por aquilo e aqueloutro'. no prédio em frente, uma outra criaturinha adorável faz o pino na varanda, apoiando as pernas nas grades. deve estar a treinar-se para os olímpicos de 2008. mas se continuar a empoleirar-se ali é capaz de não chegar lá.
finalmente em casa...o sossego. :)

dia seguinte: praia o dia inteiro. ali para a zona da arrábida (onde, de resto, eu não ia há algum tempo) o sol brilha e a serra mesmo ao lado traz a paisagem ideal para o dia perfeito. estendemos a toalha e vá de tostar um bocadinho, que o bronze do mês de julho já era. a água limpinha até deixa ver os 'pêxes', que fogem às nossas braçadas. entre um mergulho e uma leitura atenta do livro que levo, aprecio as 'aves raras' que se passeiam aqui e ali.
primeiro, a mocita casadoira (idade terá, noivo não sei) que pega na pinça e arranca os pêlos do buço. pergunto eu: não haverá sítio mais reservado onde o possa fazer?
depois, as duas italianas sentadas na beira da água, conversando animadamente, quando lhes aparece um garanhão que, num inglês manhoso, as tenta engatar. não sei o que conseguiu, certo é que o resto da tarde estava cada um para seu lado. parece que o 'bater do coro' só funciona com as tugas.
finalmente, aquele sr. de barriga muito proeminente, que puxa sonoramente o catarro e cospe para a água - NOJO! de seguida, atira o cigarro. SHAME ON YOU, mr.! para completar o belo retrato de degradação (pièce de résistance, diriam alguns)...o belo do calçonete descaído e o rêgo do dito à mostra!
e assim vai o nosso país! :)

depois de um banhinho tomado - desta feita na banheira -, hora de jantar. vamos ao shopping mais próximo encher a pança de fast food. na mesa ao lado, um casal com duas meninas irrequietas q.b. diz o pai a uma delas: 'oh querida, AQUI não te podes por em cima da
mesa, parece mal'
. aqui?! quer dizer que costumam fazer isso em casa?
enquanto esperamos, olho para o buffet das saladas. um sujeito com ar de poucos amigos (poucos mesmo, só estava uma velhota a acompanhá-lo) pega numa tacinha e, a acompanhar as duas folhinhas de alface, leva maionese. muita maionese. carradas de maionese. não liguei. reparei a seguir que aquela 'sopinha' ainda levava outra 'molhanga'. mais molho. e mais e mais. quase posso jurar que ouvi as folhinhas de alface gritarem por socorro! começámo-nos a rir. o cavalheiro da mesa em frente também. e não parámos mais. aquele entendimento mútuo não passou despercebido ao homem-dos-molhos (e eu a pensar que tínhamos sido subtis): olhou para nós e lambeu-se todo! o porcalhão!
saímos dali e damos uma volta. o centro quase vazio, é a melhor altura para ver montras e apreciar as novas colecções. passa um anormal por nós que se arma em engraçado. julgando que nos estávamos a rir dele - não estávamos -, faz-nos uma vénia e convence-se que tem piada. perdoai-o Senhor, que não sabe o que faz!
entretanto, vamos ao wc. como é costume encontramos a porta dos homens, a porta das senhoras, a porta do fraldário. contudo, este shopping é inovador: tem uma porta com 4 figuras, que se assemelham a uma família feliz. descobrimos então o 'quarto-de-banho das famílias'. :)

sábado. mais um dia de praia. não há espaço para esticar a toalha, mas entre o ombro do rapaz-dos-calções-das-flores-pirosas e o abdómen da senhora-idosa-do-peito-descaído-num-biquini-do-tempo-da-maria-cachucha lá nos conseguimos encaixar. ao lado, chega uma jovem mãe que, se não é peixeira, poderia ser. fala - grita! - do estacionamento, da casa nova, da cerca de quadradinhos, das ameixas amarelas do tamanho de pêssegos que comprou ao fulano-tal-e-coisa ('achas que eu me ia sujar no meio das árvores?'), do guarda-sol que entretanto se partiu com o vento, berra com a filha ('és a melhor mãe do mundo') que lhe pede dinheiro para um gelado ('e tu és uma chula'), atira impropérios para o ar acerca do preço dos materiais escolares da garota ('não dou mais do que €4 por um dossier'). e ainda temos os quatro engatatões ao lado que se gabam das suas conquistas nas noites de lisboa, enquanto nos enchem de areia e me passo da cabeça.
vamos até à esplanada lanchar. os dois empregados que nos servem são muito simpáticos. mas topei o terceiro, que está mortinho por nos vir 'trazer a conta'. por trás dos meus óculos-de-sol (inseparáveis, de resto) finjo que não percebo aquele sorriso parvo e dengoso. lá teremos que lhe pagar o café. todo contente, pergunta-nos com aquele sotaque ucraniano 'já conhecem a nossa carruagem'? calma aí, amigo! isto nem sequer é um encontro e já nos quer mostrar a carruagem?! temos é que ir embora, antes que a coisa comece a azedar...a carruagem! 'mostra-nos para a próxima...sim?' pernas, para que vos quero? :)